20 abril, 2010

Opiniões


Editorial "O Globo"

Em mais um lance da guerra de liminares, a Agência Nacional de Energia Elétrica foi forçada ontem a suspender o leilão da usina de Belo Monte, previsto para hoje. A batalha vai continuar entre advogados da União e organizações de ambientalistas, entre outras, que, por meio do Ministério Público, tratam de obter na Justiça liminares contra a hidrelétrica. Há muita mistificação e desinformação em torno de Belo Monte, um desafio mais audacioso do que a usina de Tucuruí, também no Pará, pois a hidrelétrica não contará com um grande reservatório, e uma parte significativa do investimento de R$ 19 bilhões estará voltada para iniciativas socioambientais.
Sem reservatório para regular a vazão de água que passará por suas turbinas, o projeto de Belo Monte terá de aproveitar ao máximo o curso do Rio Xingu, o que, pelo lado do meio ambiental, deveria ser visto como um ponto a favor da usina. A solução para Belo Monte alcançar o possível de sua potência foi desviar uma parte das águas do rio por dois canais adutores até a barragem principal, aproveitando-se a topografia da região. A construção de alguns diques possibilitará esse desvio.
Na prática, durante um certo trecho, o rio ficará dividido em dois, o que exigiu estudos sobre os efeitos socioambientais da redução do volume de água no antigo leito (assim com o impacto dos futuros canais). Em face desse expressivo desafio, a implantação de Belo Monte será acompanhada por olhares atentos não só dos paraenses, mas dos brasileiros de todos os cantos do país. A usina certamente despertará curiosidade no exterior e talvez venha a se transformar em atração turística internacional, assim como acontece hoje com o lago e a barragem de Itaipu.
A grandiosidade de Belo Monte pode ser percebida quando a usina é comparada com outros empreendimentos relevantes no setor elétrico. Belo Monte, nos momentos de baixa vazão do Xingu, pode gerar energia tanto quanto três usinas nucleares do tamanho de Angra 2 ou de quase uma centena de usinas eólicas. E, no período de cheia, com sua capacidade de produzir 11 mil MW, vai gerar mais energia do que Tucuruí, a parte brasileira de Itaipu ou das duas grandes usinas em construção, juntas, no Rio Madeira. Belo Monte estará próxima de importantes projetos de transformação e processamento de minérios (que dependem de boa oferta de energia) e das linhas de transmissão que já interligam os subsistemas Norte, Nordeste e Sul/Sudeste.
A legislação brasileira hoje exige que projetos da magnitude de Belo Monte arquem com o custo de compensações socioambientais.
Além disso, problemas e dificuldades enfrentados hoje pelas localidades na área de influência da futura usina estarão mais expostos, de modo que a população local passará a contar com poderoso aliado nas suas demandas, que é a opinião pública nacional. Só para citar um exemplo, a cidade de Altamira, sede de um dos maiores municípios brasileiros em extensão territorial, despeja todo seu esgoto, sem tratamento, nas águas do Rio Xingu, o que deixa os ribeirinhos sob permanente risco de saúde. As estradas da região são precárias, e a insuficiência de renda torna os moradores presas fáceis de atividades predatórias ao meio ambiente. Os benefícios da usina para a região, o Pará e o Brasil superam por larga margem eventuais transtornos causados pela obra. O empreendimento indispensável. 



Belo Monte, a tragédia ambiental
Artigo de Frei Beto
      
         Raoni, líder indígena, afirma que em 2007, ao receber a Medalha do Mérito Cultural das mãos do presidente Lula, este prometeu jamais assinar a construção da barragem de Belo Monte, no Xingu (PA).
         Está tudo pronto para que, em janeiro, ocorra o leilão da hidrelétrica a ser construída no rio Xingu. Uma das jóias da coroa do PAC. Falta apenas a licença ambiental do Ibama. Devido às pressões do Planalto para que o sinal verde seja dado o quanto antes, vários peritos do Ibama já pediram demissão.
         Sting, cantor britânico, esteve no Xingu na última semana de novembro para apoiar a rejeição a Belo Monte: “Sei que a obra faz sentido do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista ecológico talvez não seja uma boa ideia”, declarou ele.
         Os povos indígenas do Xingu se queixam de não terem sido chamados a debater Belo Monte com o governo. O Brasil assinou a Convenção 69 da OIT, comprometendo-se a obter o consentimento prévio dos indígenas antes de tomar medidas que os afetem.
         Segundo especialistas, a construção de Belo Monte fará com que 3/4 da região, conhecida como Volta Grande do Xingu, sofram drástica escassez hídrica, perda de biodiversidade (que, ali, é uma das maiores do mundo), e efeitos sobre a população local, devido à redução do lençol freático, dos níveis de água e da vazão daquele trecho do rio.
         Imagens de satélite identificam Volta Grande: o rio Xingu corre para o norte, em direção ao Amazonas e, súbito, faz uma volta de quase 200 km, dando a impressão de retornar ao sul. Em seguida, retoma o rumo do norte, quase a fechar um anel completo. É um dos mais belos traçados fluviais do nosso planeta.
         Prevê-se a construção, na Volta Grande do Xingu, de três barragens de concreto, vários canais e cinco represas, alagando áreas que abrigam, hoje, agricultura, pecuária e inúmeros igarapés que abastecem a população local. Pretende-se escavar ali o mesmo volume de terra retirado para a construção do Canal de Panamá!
         Especialistas apontam que a obra é tecnicamente inviável, pois a potência instalada prevista, de 11.233 MW, só estará disponível durante três ou quatro meses do ano. O ganho de energia firme, de apenas 4.462 MW – 1/3 do total -, inviabiliza financeiramente o projeto.
Se ele for realizado, mais de 25 mil habitantes de Altamira, Transamazônica e das barrancas do Xingu serão obrigados a se mudar, condenados a uma pobreza ainda maior.
         O contribuinte brasileiro é quem pagará, através de financiamentos do BNDES e da participação de estatais, boa parte dos custos desta empreitada de efeitos devastadores. Empresas como Chesf, Eletronorte, Furnas e Eletrosul, poderão entrar juntas ou isoladamente no leilão para a construção de Belo Monte. Assim, o contribuinte irá financiar o lucro imediato de empreiteiras, e o lucro a longo prazo das empresas mineradoras que atuam na Amazônia, as grandes beneficiárias de Belo Monte. De quebra, a nação brasileira arcará com os custos ambientais.
         Lula concedeu, este ano, duas audiências ao bispo do Xingu, dom Erwin Kräutler, a quem prometeu que Belo Monte “não será imposta goela abaixo.” Em carta ao presidente, o bispo frisou que, a ser construída apenas a usina Belo Monte, é um despropósito técnico assegurar a potência prevista no projeto. A potência almejada pelos técnicos da Eletrobrás só sera alcançada se forem construídas outras três usinas rio acima (Altamira, Pombal e São Félix). Neste caso, os grandes reservatórios atingirão outros territórios indígenas demarcados e homologados, e áreas de conservação ambiental. Quem vive da pesca e da agricultura familiar perderá a base de sua subsistência.
         A população a ser atingida está sendo subestimada, e as empresas e o BNDES não sabem quanto irão desembolsar para amenizar o impacto social. Ora, quem já viu uma empresa dessas deixar-se guiar por um espírito altruísta, solidarizando-se com os pobres e, em seguida, esmerando-se na promoção de obras para mitigar a miséria das famílias atingidas?
         A região de Volta Grande do Xingu ficará praticamente seca com a construção da usina. A exemplo do que aconteceu com a cachoeira de Sete Quedas na construção da usina de Itaipu, também Belo Monte modificará 100 km de uma sucessão de cachoeiras, corredeiras e canais naturais.
         A obra atrairá intenso fluxo migratório no rumo de Altamira, Vitória do Xingu, Brasil Novo, Anapu e Senador José Porfírio. Esses municípios não dispõem da infraestrutura necessária, nem contam com escolas e hospitais suficientes para atender a tanta gente.
         O projeto promete assegurar qualidade de vida apenas para quem trabalhar nas obras de construção da usina. A população restante, cinco vezes maior, ficará na miséria, exposta à criminalidade e agredida pelos antros de narcotráfico e prostituição.
         Quanto vai custar a obra? O próprio presidente da Eletrobrás fala em variações de um 1 a 3 mil dólares o quilowatt instalado, o que significa um total de US$ 33 bilhões, ou R$ 60 bilhões para uma usina que ficará parada várias meses durante o ano.
         A tarifa de energia elétrica ficará extremamente alta. Pior será obrigar o Tesouro Nacional a subsidiar a energia gerada. Neste caso, serão penalizados mais uma vez a cidadã e o cidadão brasileiros.

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