04 julho, 2010

Eleição sem maquiagem

Por Fernando Henrique Cardoso
          O mundo continua se contorcendo sem encontrar caminhos seguros para superar as consequências da crise desencadeada no sistema financeiro. Até a ideia (que eu defendi nos anos 1990 e parecia uma heresia) de impor taxas à movimentação financeira reapareceu na voz dos mais ortodoxos defensores do rigor dos bancos centrais e da intocabilidade das leis de mercado. No afã de estancar a sangria produzida pelas exacerbações irracionais dos mercados, outros tantos ortodoxos passaram a usar e até a abusar de incentivos fiscais e benesses de todo tipo para salvar os bancos e o consumo.
          Paul Krugman, mais recentemente, lamentou a resistência europeia à frouxidão fiscal. Ele pensa que o corte aos estímulos pode levar a economia mundial a algo semelhante ao que ocorreu em 1929. Quando a crise parecia acalmada, em 1933, suspenderam-se estímulos e medidas facilitadoras do crédito, devolvendo a recessão ao mundo. Será isso mesmo? É cedo para saber. Mas, barbas de molho, as notícias que vêm do exterior, e não só da Europa, mas também da zigue-zagueante economia americana e da letárgica economia japonesa, afora as dúvidas sobre a economia chinesa, não são sinais de uma retomada alentadora.
          Enquanto isso, vive-se no Brasil oficial como se nos tivéssemos transformado numa Noruega tropical, na feliz ironia deste jornal em editorial recente. E em tão curto intervalo que estamos todos atônitos com tanto dinheiro e tantas realizações. Basta ler o último artigo presidencial no Financial Times. A pobreza existia na época da "estagnação". Agora assistimos ao espetáculo do crescimento, sem travas, dispensando reformas e desautorizando preocupações. Se no governo Geisel se dizia que éramos uma ilha de prosperidade num mundo em crise, hoje a retórica oficial nos dá a impressão de que somos um mundo de prosperidade e o mundo, uma distante ilha em crise. Baixo investimento em infraestrutura? Ora, o PAC resolve. Receio com o aumento do endividamento público e o crescente déficit previdenciário? Ora, preocupação com isso é lá na Europa. Aqui, não. Afinal, Deus é brasileiro.
          Só que a realidade existe. A prosperidade de uns depende da de outros no mundo globalizado. Por mais que estejamos relativamente bem em comparação com os países de economia mais madura, se estes estagnarem ou crescerem a taxas baixas, haverá problemas. A queda nos preços das matérias-primas prejudicará as nossas exportações, grande parte delas composta de commodities. A ausência de crescimento complicará a solução dos desequilíbrios monetários e fiscais dos países ricos e isso significará menos recursos disponíveis para o Brasil no mercado financeiro global. Não devemos ser pessimistas, mas não nos podemos deixar embalar em devaneios quase infantis, que nos distraem de discutir os verdadeiros desafios do País.
          Infelizmente, estamos às voltas com distrações. Um cântico de louvor às nossas grandezas, de uma falta de realismo assustador. Embarcamos na antiga tese do Brasil potência e, sem olhar em volta, propomo-nos a dar saltos sem saber com que recursos: trem-bala de custos desconhecidos, pré-sal sem atenção ao impacto do desastre no Golfo do México sobre os custos futuros da extração do petróleo, capitalização da Petrobrás de proporções gigantescas, uma Petro-Sal de propósitos incertos e tamanho imprevisível. Tudo grandioso. Fala-se mais do que se faz. E o que se faz é graças a transferências maciças do bolso dos contribuintes para o caixa das grandes empresas amigas do Estado, por meio de empréstimos subsidiados do BNDES, que de quebra engordam a dívida bruta do Tesouro.
          A encenação para a eleição de outubro já está pronta. Como numa fábula, a candidata do governo, bem penteada e rosada, quase uma princesinha nórdica, dirá tudo o que se espera que diga, especialmente o que o "mercado" e os parceiros internacionais querem ouvir. Mas a própria candidata já alertou: não é um poste. E não é mesmo, espero. Tem uma história, que não bate com o que se quer que ela diga. Cumprirá o que disse?
          No México do PRI, cujo domínio durou décadas, o presidente apontava sozinho o candidato a suceder-lhe, num processo vedado ao olhar e às influências da opinião pública. No entanto, quando a escolha era revelada ao público - "el destape del tapado" -, o escolhido via-se obrigado a dizer o que pensava. Aqui, o "dedazo" de Lula apontou a candidata. Só que ela não pode dizer o que pensa para não pôr em risco a eleição. Estamos diante de uma personagem a ser moldada pelos marqueteiros. Antigamente, no linguajar que já foi da candidata, se chamava isso de "alienação".
          Esconde-se, assim, o que realmente está em jogo. Queremos aperfeiçoar nossa democracia ou aceitaremos como normais os grandes delitos de aloprados e as pequenas infrações sistemáticas, como as de um presidente que dá de ombros diante de seis multas a ele aplicadas por desrespeito à legislação eleitoral? Queremos um Estado partidariamente neutro ou capturado por interesses partidários? Que dialogue com a sociedade ou se feche para tomar decisões baseadas em pretensa superioridade estratégica para escolher o que é melhor para o País? Que confunda a Nação com o Estado e o Estado com empresas e corporações estatais, em aliança com poucos grandes grupos privados, ou saiba distinguir uma coisa da outra em nome do interesse público? Que aposte no desenvolvimento das capacidades de cada indivíduo, para a cidadania e para o trabalho, ou veja o povo como massa e a si próprio como benfeitor? Que enxergue no meio ambiente uma dimensão essencial ou um obstáculo ao desenvolvimento?
          Está na hora de cada candidato, com a alma aberta e a cara lavada, dizer ao País o que pensa.

03 julho, 2010

A revanche

Por Wagner Cordeiro Chagas

          Mato Grosso do Sul experimentará nos próximos meses uma campanha eleitoral sem precedentes. É inédito o fato de dois grandes adversários políticos se enfrentarem nas urnas neste ano na disputa pelo cargo de governador do Estado.
          De um lado da arena eleitoral, encontra-se o candidato José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT, que concorre pela terceira vez à função de chefe do executivo estadual. Bancário aposentado pelo Banco do Brasil, Zeca nasceu a 24 de fevereiro de 1950, no município de Porto Murtinho-MS. Sua biografia política compõe-se de diversos mandatos, sendo o primeiro o de presidente do Sindicato dos Bancários de Campo Grande. No início dos anos de 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores no Estado. Em 1990, elegeu-se deputado estadual, figurando como o primeiro parlamentar petista na Assembleia Legislativa sul-mato-grossense. Nas eleições municipais de 1992, pleiteou a prefeitura da capital, onde se posicionou em terceiro lugar, atrás de Marilú Guimarães (PFL) e Juvêncio da Fonseca (PMDB), o vitorioso daquela disputa. Dois anos depois, o Partido dos Trabalhadores conquistou três cadeiras no parlamento com as eleições de Eurídio Ben-Hur Ferreira, Anilson Rodrigues e a reeleição de José Orcírio.
          Em 1998, o PT lançou Zeca como candidato ao governo do Estado. No início da campanha, tal candidatura não passava do terceiro lugar nas pesquisas de intenção de votos. Tinha a sua frente, Ricardo Bacha (PSDB), apoiado pelo então governador Wilson Barbosa Martins (PMDB) e o ex-governador Pedro Pedrossian (PTB).
          Realizado o primeiro turno daquela eleição, os números colocaram Bacha como primeiro classificado e Zeca em segundo lugar, deixando para trás o experiente administrador Pedrossian. No segundo turno, com apoio maciço de diferentes categorias da sociedade sul-mato-grossense e de políticos influentes, como o próprio Pedrossian, os eleitores escolheram o candidato petista para governador, com mais de 500 mil votos. Reelegeu-se em 2002, ao vencer a então deputada federal tucana Marisa Serrano. No dia 1º de janeiro de 2007, encerrou seus oito anos de administração ao transmitir o cargo a André Puccinelli (PMDB).
          No outro lado do embate eleitoral deste ano, encontra-se o atual governador André Puccinelli que concorre à reeleição. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), André (seu nome de batismo na verdade é Andrea Puccinelli) nasceu na cidade italiana de Viaregio, no dia 2 de julho de 1948. Após seu nascimento, seus pais vieram para o Brasil, fixando-se primeiramente em Porto Alegre-RS e depois em Curitiba-PR. Iniciou sua carreira profissional e política no município de Fátima do Sul-MS, onde ajudou a fundar o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), pelo qual disputou, sem êxito, a prefeitura nas eleições de 1982. Um ano depois mudou-se para Campo Grande. Atuou como secretário de Estado de Saúde na primeira gestão de Wilson Barbosa Martins (PMDB) (1983-1986). Em 1986, elegeu-se deputado estadual e reelegeu-se em 1990. Nas eleições de 1994, despontou-se como o mais votado entre os concorrentes a vaga de deputado federal. Elegeu-se prefeito de Campo Grande em 1996, sendo reeleito em 2000. No primeiro semestre de 2002, era tido como candidatíssimo a governador, numa disputa que prometia ser quente, pois estaria concorrendo com o então governador Zeca. Contudo, por motivos pessoais, Puccinelli optou por encerrar seu mandato de prefeito e adiar a disputa pelo governo para 2006, quando foi eleito logo no primeiro turno.
          Apresentado essa breve biografia dos candidatos, tratamos agora da revanche que se encontra descrita no título do artigo. Esta refere-se ao polêmico pleito de 1996 na capital do Estado, quando estava em jogo a sucessão do prefeito Juvêncio. Concorreram naquelas eleições os seguintes nomes: o deputado federal André (PMDB), Carlos Leite (PV), o senador Levy Dias (PPB), o deputado federal Nelson Trad (PTB) e o deputado estadual Zeca (PT). Conforme a historiadora Marisa Bittar (1997), esta eleição teve um significado muito importante, pois pela primeira vez uma candidatura oposicionista ameaçou substituir o PMDB, que havia 10 anos governava Campo Grande.
          Realizado o primeiro turno, o candidato Zeca do PT saiu na frente com 101.657 votos contra 81.217 votos dados a Puccinelli. Contudo, a surpresa veio no segundo turno. Zeca alcançou 130.713 votos e André, 131.124. A diferença da derrota petista foi de apenas 411 votos. Foi a eleição mais acirrada e polêmica da história campograndense. O PT chegou a recorrer na justiça eleitoral, entretanto não obteve resultado satisfatório.
          Encerradas as convenções partidárias neste ano, está tudo definido para um novo sufrágio democrática em Mato Grosso do Sul. O atual governador vem com um arco de aliança que abarca 14 partidos: PMDB, PSDB, DEM, PR, PTB, PTC, PTN, PSC, PMN, PSB, PT do B, PRTB, PPS e PHS, e tem como candidata a vice, a ex-prefeita de Três Lagoas, Simone Tebet (PMDB) e dois candidatos ao Senado Federal, Waldemir Moka (PMDB) e Murilo Zauith (DEM).
          Zeca, por sua vez, tem como partidos coligados: PT, PDT, PV, PC do B, PSDC, PRP, PP e PSL. Também escolheu uma mulher como vice, a advogada douradense e professora universitária Tatiana Ujacow (PV), e a senadores Delcídio do Amaral (PT) e Dagoberto Nogueira (PDT).
          Além destas duas candidaturas, é importante lembrar, em respeito à opção de escolha dos eleitores, que foi registrada uma terceira candidatura, a do comerciante Ney Braga (PSOL).
          As eleições 2010 no Estado prometem ser disputadíssimas, pois os principais rivais são nomes de peso na atual conjuntura política estadual e contam com importantes aliados. Espera-se que tais candidatos proporcionem ao eleitorado, não uma mera disputa pessoal, mas sim um verdadeiro embate de discussão de projetos e modelos de gestão. Que façam um jogo limpo, com uso das idéias e não do abuso do poder econômico e da máquina pública. Que apresentem propostas viáveis para tornar Mato Grosso do Sul uma Unidade da Federação cada vez mais justa, democrática e humana para seus filhos e filhas. PARABÉNS DEMOCRACIA. PARABÉNS POVO SUL-MATO-GROSSENSE.
 
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