19 maio, 2010

Hino ao Amor


Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
Poema de Mário Quintana
Música de Edith Piaf (L'Hymne a L'Amour)

18 maio, 2010

Marina com fé


Por Atenéia Feijó


           Podem anotar. Marina Silva vai surpreender. Com 51 quilos e 52 anos, ela não é nem de longe a figura frágil que aparenta ser. Para começar, sua biografia é um testemunho de superação. Sua decantada fé? Ora, a ciência anda buscando o significado desse valioso sentimento. Que, segundo pesquisadores, trata-se de um combustível poderoso que impulsiona as pessoas para uma vida melhor.
           "Mas tem a ver com religiosidade!", dizem. Qual o problema? "Ela (Marina) é conservadora!", gritam. Por acaso Lula não é conservador, principalmente em matéria de religiosidade? E Dilma, será que é ateia? E Serra o que é? Católico ou do candomblé? Ah, a petista e o tucano também podem ser islamitas, kardecistas... Ou agnósticos. Então, tá. Cada pré-candidato com sua religião, seu Deus ou sem ele.
           Longe de ser uma fundamentalista ou intolerante, Marina é, sim, uma mulher de fé. E parece-me que esta fé tem a ver com sua energia extraordinária na busca de um aprendizado constante. Que não desperdiça nem desdenha de lições do passado. Até porque ela é formada em História. Mas há quem não consiga ou se recuse, por preconceito, a acompanhar suas idéias avançadas.
           Há pessoas que nem se dão ao trabalho de perguntar: o que é essa tal sustentabilidade? No seu discurso durante a convenção do Partido Verde, no domingo, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o empresário Guilherme Leal (dono da Natura), lançado pré-candidato a vice-presidente da pré-candidata Marina, tinha uma resposta na ponta da língua: "Não se conhece lucro sustentável num modelo econômico predatório." Seja qual for. As crises mundiais comprovam.
           O que não quer dizer que sustentabilidade tenha a ver apenas com economia. Tem também com políticas sociais, ambientais, de segurança pública, de cultura. E ética. Como se materializa isso? Vencendo desafios. Uma das bandeiras preferidas da pré-candidata verde: a igualdade de oportunidades para todas as pessoas desenvolverem suas potencialidades. Ela crê no ser humano como um sujeito desejoso de fazer suas próprias escolhas; no momento certo.
           Talvez por isso transmita confiança. Que se saiba, não foi pega em mentira. Marina diz muitas coisas boas de se ouvir. Por exemplo, a de que não se faz política por negação. Não tem medo de apontar os acertos dos outros, argumentar e explicar porque os defende. Citando, por coerência, acertos de Fernando Henrique e Lula. Totalmente à vontade.
           Em resumo, seu projeto de governo não é de poder pelo poder. Afinal, os governantes são eleitos e pagos para servir ao país. Na proposta de Marina não cabe um líder que queira impor um destino ao povo. Ou se achar o máximo. "Temos que aprender e nos dispor a coautorias, em vez da exclusividade do feito. Essa é a liderança do século XXI."
           Ela entende que na pós-modernidade em que vivemos é preciso cada vez mais criatividade. Principalmente na educação. De que forma? Manejando o conhecimento; sem encastelá-lo ou petrificá-lo. Porque tudo neste planeta tem a ver com tudo. Olha a crise econômica europeia mostrando a necessidade de uma política social de terceira geração.
           E aqui? Marina deu seu recado de esperança. Com emoção: "Um Brasil mais justo, mais harmônico e sustentável é possível." Haja fé.

04 maio, 2010

Construir sem demagogia (é tempo de reavaliar as diferenças e críticas recíprocas entre PSDB e PT)

Por Fernando Henrique Cardoso

          Época de campanha eleitoral é propícia à demagogia. Pode servir também para a construção de um país melhor se os líderes políticos tiverem grandeza. O embate entre PSDB e PT já dura 17 anos, desde o governo Itamar, quando iniciamos o Plano Real. É tempo de reavaliar as diferenças e críticas recíprocas. Os mais destacados economistas do PT daquela época, Maria da Conceição Tavares, Paul Singer e Aloizio Mercadante, martelaram a tecla de que se tratava de jogada eleitoreira. Não quiseram ver que se tratava de um esforço sério de reconstrução nacional, que aproveitou uma oportunidade de ouro para inovar práticas de gestão pública e dar outro rumo ao país. Como tampouco haviam visto que, por mais atribulada que tivesse sido a abertura da economia, sem ela estaríamos condenados à irrelevância em um mundo que se globalizava.
          A mesma cegueira impediu que se avaliasse com objetividade o esforço hercúleo para evitar que o sistema financeiro se desfizesse por sua fragilidade e pela voragem dos ataques especulativos. Proer, Proes e o respeito às regras da Basileia foram fundamentais para alcançar as benesses de hoje. Passamos pelo penoso aprendizado do sistema de metas para controlar a inflação e aprendemos a usar o câmbio flutuante, sujeito — como deve ser — à ação corretora do BC. Esses processos, a despeito de críticas que lhes tenham sido feitas no passado, constituem agora um “patrimônio comum”. O mesmo se diga sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi duramente criticada pelo PT e aliados e, hoje, é indiscutida, embora nem sempre aplicada com o rigor necessário. Isso revela amadurecimento do país.
          Na área social o tripé correspondente ao da área econômica se compõe de: aumentos reais do salário mínimo, desde 1993; implementação a partir de 1997 das regras ditadas pela Lei Orgânica de Assistência Social, atribuindo uma pensão aos idosos e às pessoas com deficiências físicas de famílias pobres; por fim, bolsas que, com nomes variáveis, vêm sendo utilizadas com êxito desde o ano 2000. Esses programas, independentemente de que governo os tenha iniciado ou melhorado, tiveram o apoio de todos os partidos e da sociedade.
          Infelizmente, nem em todas as áreas é assim. Sob pretexto de combater o neoliberalismo joga-se no mesmo balaio toda política que não seja de idolatria ao “capitalismo de Estado”, como se essa fosse a melhor maneira de servir ao interesse nacional e popular. Tal atitude revela um horror à forma liberal de capitalismo e à competição. Prefere-se substituir as empresas por repartições públicas e manter por trás delas um partido. No lugar do empresário ou da empresa a quem se poderia responsabilizar por seus atos e erros, coloca-se a burocracia como agente principal do desenvolvimento econômico, tendo o Estado como escudo. Supõese que Estado e povo, partido e povo, ou mesmo burocracia e povo, têm interesses coincidentes.
          Outra coisa não faziam os partidos totalitários na Europa, os populistas na América Latina e as ditaduras militares.
          Qualquer neófito sabe que sem Estado organizado não há capitalismo moderno nem sociedade democrática.
          Não se trata, portanto, da oposição infeliz e falaciosa de mais mercado e menos Estado nem de seu contrário. Na prática o neoliberalismo nunca prevaleceu no Brasil, nem depois do golpe de 1964, quando a dupla Campos-Bulhões reduziu a ingerência estatal para permitir maior vigor ao mercado. Mais recentemente, com a maré de privatizações iniciada no governo Sarney (com empresas siderúrgicas médias), prosseguida com Collor e Itamar (este privatizando a Embraer e a simbólica Siderúrgica Nacional) ou em meu governo (telecomunicações, Rede Ferroviária Federal e Vale do Rio Doce), o que se estava buscando era tirar das costas do Tesouro o endividamento crescente de algumas dessas empresas produzido pela gestão burocrática sob controle partidário e dotá-las de meios para se expandirem. Passaram a crescer e o Tesouro, a receber impostos em quantidade maior do que os dividendos recebidos quando essas empresas eram formalmente “estatais”. Mas o gasto público continuou a se expandir, e o papel do governo nas políticas econômicas e na regulação continuou essencial.
          Os resultados da nova política estão à vista. Algumas dessas empresas são hoje atores globais, marcos de um Brasil moderno internacionalmente respeitado. Outra não foi a motivação para transformar a Petrobras, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica em empresas saneadas e competitivas, sem que jamais governo algum cogitasse privatizálas. Foram dotadas da liberdade necessária para agirem como empresas e não como extensão burocrática dos interesses políticos. Essa é a verdadeira questão e é isso que continua em jogo: prosseguiremos nesta trilha, mantendo as agências regulatórias com a independência necessária para velarem pelos interesses do investidor e do consumidor, ou regrediremos? Na prática, o governo Lula se envaidece, como ainda agora, de que o Banco do Brasil ou a Petrobras atuem como global players.
          Não retrocedeu em qualquer privatização, começou a fazer concessões das rodovias , cogita fazer o mesmo com os terminais aéreos, chega a simular um leilão para a concessão de Belo Monte, com o cuidado de dar ( para inglês ver, é verdade) a maioria do controle a empresas privadas. Por que então não deixar de lado a ideologia e o uso da pecha de neoliberal para desqualificar os avanços obtidos dos quais é usufruidor? Se esse passo for dado, o debate eleitoral poderá concentrarse no que realmente conta: a preparação do país para enfrentar o mundo atual, que é da inovação e do conhecimento.
          As diferenças entre os contendores recairão sobre a verdadeira questão: queremos um capitalismo no qual o Estado é ingerente, com uma burocracia permeada por influências partidárias e mais sujeita à corrupção, ou preferimos um capitalismo no qual o papel do Estado permanecerá básico, mas valorizará a liberdade empresarial, o controle público das decisões e a capacidade de gestão?
 
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