23 janeiro, 2010

Os dois caminhos da America Latina: o moderno e o louco



Extraído do blog da colunista Míriam Leitão, do Globo.

O presidente eleito do Chile, Sebastian Piñera, disse que não existe mais esquerda e direita na América Latina. E dividiu os países entre os que estão na direção certa e os que estão cometendo erros sequenciais. Minha única diferença em relação a esse pensamento é que eu não colocaria, como ele fez, o presidente Álvaro Uribe no caminho dos que estão acertando. Uribe cometeu um erro básico que o faz parecer mais com Hugo Chavez do que com Michelle Bachellet: quer um terceiro mandato, não acredita em alternância no poder e pensa que é insubstituível.

Para achar que Hugo Chavez é de esquerda é preciso uma ingenuidade brutal. Tudo o que ele faz é apenas por autoritarismo e não um projeto de governo. Ele expropria empresas, persegue empresários, fecha empresas jornalisticas não por algum projeto de mudar o controle dos meios de produção, mas sim para aumentar o caráter discricionário do governo e elevar seu poder pessoal. Evo Morales é apenas uma estação repetidora. Esse tem ainda menos rumo. Tem tido uma ação errática que tem a ver com as ordens do chefe Chavez e o calendário eleitoral. O mesmo oportunismo se vê em Raphael Correia. Os Kirchner seguem um projeto de poder do casal em que há uma irregularidade institucional: quem realmente governa é o ex-presidente que tem um estilo confrontacionista de governar, Em todos esses países, o que se criou foi um ambiente que põe em risco as instituições democráticas. Há um detalhe que prova que esse tipo de comportamento desviante não compensa: Argentina e Venezuela enfrentam grave crise econômica. Na Argentina ainda se tenta superar o clima de confronto com credores e a inflação de dois dígitos. A Venezuela tem recessão, inflação e racionamento de energia.

Um outro grupo de países segue os rituais da democracia representativa e busca solidez dos fundamentos econômicos. Neles, felizmente está o Brasil, o Chile, o Uruguai. Não por acaso Michelle Bachelet é a governante mais bem avaliada, e Cristina Kirchner é com a mais baixa popularidade.

Bachellet e Lula não acharam que por terem alta popularidade deveriam tentar mais um mandato. Uribe sim, Chavez fez pior: quer se eternizar. Lula iniciou uma campanha eleitoral antes da hora e joga todo o peso da máquina do governo para eleger Dilma Roussef. Bachellet respeitou as regras eleitorais e demonstrou quem era seu candidato, apesar de não ter posto o governo a favor do candidato. Toda a popularidade dela não foi transferida; no Brasil será necessário esperar para ver. A transferência de votos é uma das questões mais imprevisíveis da política.O risco é o presidente Lula entender o fracasso da Concertacion no Chile como sinal de que deve fazer ainda mais campanha, usar ainda mais a máquina do governo em favor da sua candidata. Ele pode achar que foi erro de Bachellet nao fazer isso.

Sebastian Piñera assumiu elogiando o governo de centro-esquerda que governou o Chile. Ele vem da direita, uma direita que se propõe a jogar o jogo democrático. Seu governo terá que mexer numa vaca sagrada: a Codelco. A empresa de cobre, maior empresa do país, continuará sendo estatal. Mas hoje ela é centro de uma anomalia fiscal: 10% das suas receitas vão direto, sem passar pelo orçamento, para as Forças Armadas. Isso foi criado pelo governo militar e os governos civis de esquerda não tiveram coragem de mudar. Enfrentar isso e acabar com esses recursos para fiscais não é de esquerda nem de direita: é modernizador.

Em resumo: existe o caminho da modernização e da confirmação democrática na América Latina e existe o caminho do autoritarismo caudilhesco e obsoleto. Existe o caminho do futuro, e o retrocesso. Essa é a verdadeira divisão da América Latina. O Brasil de Lula de vez em quando se aproxima da fronteira, flerta com a ambiguidade, mas felizmente acaba ficando do melhor lado. O Chile já sabe seu caminho. A Venezuela vai se aprofundar em seu retrocesso.

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